8 de abril de 2020
Aplicação da Medida Provisória 936 e o teletrabalho
Por Hasson Advogados
O surgimento do novo Coronavírus (COVID-19) alterou a convivência da sociedade em nosso país e no mundo, com ações e medidas que visam evitar a disseminação do vírus. De acordo com orientações dos órgãos competentes, dentre estes da Organização Mundial de Saúde (OMS), está o distanciamento social, sendo esta a medida adotada em diversos países e que tem causado danos ao trabalhador e à economia.
No Brasil foi decretado pelo Congresso Nacional estado de calamidade pública no último dia 23 de março, e algumas ações dos governos estaduais têm sido a suspensão de aulas, fechamento do comércio e de qualquer atividade que não seja considerada essencial, como por exemplo, farmácias, mercados, hospitais, etc.
Com isso, a relação de trabalho ficou prejudicada, tanto para o empregado que se sente inseguro com a manutenção do seu emprego e recebimento de salários, como para o empregador que teme não conseguir manter suas atividades empresariais, manter seu quadro de empregados, manter o pagamento de salários e se ver obrigado a encerrar o seu negócio.
Diante do conflito instaurado entre o controle da disseminação do vírus e da crise econômica que se vislumbra, o Governo Federal tem buscado regulamentar através de medidas provisórias possibilidades para assegurar e garantir o emprego, bem como diminuir os impactos econômicos aos empresários e viabilizar a manutenção de suas atividades e atender as recomendações de isolamento social.
A primeira ação do Governo com intuito de controle e diminuição dos impactos econômicos veio com a publicação da MPV 927 de 20 de março de 2020, que dentre outras medidas, instituiu a possibilidade de colocação dos empregados em teletrabalho, também costumeiramente chamado e conhecido como home office.
A possibilidade do teletrabalho já tinha previsão nos artigos 75-A e seguintes da CLT e determina que a prestação do labor seja realizada fora das dependências do empregador com utilização de tecnologias da informação e de comunicação, ou seja, utilização de notebooks, Skype, celular, telefone, whatsapp, entre outros. Há também outros requisitos que devem ser cumpridos para que se possa enquadrar o empregado nessa condição, como por exemplo, aceitação por parte do empregado, previsão em contrato ou aditivo, comunicação de 15 dias de antecedência para alteração do teletrabalho para presencial, entre outras.
Com o advento da MPV 927 alguns destes requisitos legais foram alterados, para a finalidade de possibilitar que o empregador determine imediatamente que o empregado realize suas atividades mediante teletrabalho e permaneça em casa, atendendo assim as recomendações de isolamento social, já que não há necessidade de comparecimento dos empregados no estabelecimento laboral.
Ainda, importante destacar que sobre essa modalidade de labor, o inciso III do artigo 62 da CLT exclui o controle de jornada e o pagamento de horas extras aos empregados que laboram nestas condições.
A segunda ação do Governo em regulamentar as atividades laborais se deu com a publicação da MPV 936 de 1º de abril de 2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, quando enfim previu a possibilidade de redução proporcional da jornada de trabalho e salários, bem como a suspensão do contrato de trabalho.
Sob este aspecto, aparentemente, se instaura uma incompatibilidade. Pois, se de um lado a MPV 927 permite a colocação de empregados em teletrabalho (home office), o qual está ausente de controle de jornada, por outro, a MPV 936 rege sobre a redução de jornada e salários. Ora, como reduzir a jornada de trabalho para o empregado que não possui controle de jornada?
Antes de responder a esta pergunta, temos que ter em mente todo o ordenamento jurídico, pois em que pese a ausência do controle de jornada para os empregados em teletrabalho, a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XIII determina o limite máximo da jornada em 44 horas semanais e 8 diárias.
Ainda, estamos tratando de situação na qual empregados cujos contratos de trabalho preveem o limite de jornada semanal e diária foram colocados em teletrabalho de modo emergencial, diante do cenário de calamidade pública que enfrentamos, seja de 44 horas semanais e 8 horas diárias, ou de 36 horas diárias e 36 semanais, entre outros previstos.
Portanto, mesmo que não haja controle de jornada, não se pode exigir ou esperar que empregado realize seu trabalho além do horário previsto na Carta Magna, a ausência de controle de jornada diz respeito ao horário em que o empregado realizará suas atividades, jamais prevendo que seja extrapolada a jornada legal
Tal ponto foi tratado especificamente na MPV 927, quando determina que as negociações individuais deverão respeitar os limites estabelecidos na Constituição Federal (artigo 2º), o que resta dizer, que o limite máximo da jornada de trabalho deve ser observado, ainda que de forma orientativa por parte do empregador ao empregado, já que ausente o controle de jornada.
O que se retira do empregado em teletrabalho é o controle de jornada e o pagamento de horas extras, jamais a exigência de trabalho superior ao limite de jornada diária e semanal imposta pela Constituição Federal.
Logo, ainda que o empregado esteja na excepcionalidade do teletrabalho (home office) com respaldo na MPV 927 e se o contrato de trabalho prevê a carga horária de trabalho de 44 horas semanais, por exemplo, é sim possível realizar a redução de jornada de trabalho e salário autorizada pela MPV 936, seja de 25, 50 e 70%, observadas as regras para cada modalidade de redução.
Ao meu ver, não há incompatibilidade entre a redução de jornada e salários (MPV 936) com o teletrabalho (MPV 927), na medida em que mesmo que ausente o controle de jornada, é plenamente possível a previsão de carga horária inferior ao limite estabelecido na Constituição Federal, seja pelos motivos que levaram as publicações das Medidas Provisórias que devem ser considerados, seja em razão do empregado laborar além do limite legal, com jornadas de 10, 12, 15 horas, o que não pode ser admitido em nenhuma hipótese.
Portanto, as empresas que possuírem empregados em home office e que pretendem, igualmente, reduzir a jornada de trabalho e o salário de forma proporcional, devem seguir as diretrizes das medidas provisórias citadas (927 e 936), fazendo o primeiro (home office), mediante acordo coletivo e o segundo (redução de jornada e salário) mediante convenções ou acordos coletivos e individuais de trabalho.