15 de maio de 2019
O réu na justiça do trabalho e a Lei 13.467/2017
Por Hasson Advogados
Quem é o réu na Justiça do Trabalho? O que sempre me interessou como operadora neste ramo do Direito, não são os motivos pelos quais o empregador vira réu, mas sim a forma como sempre foi tratado pelo Judiciário Trabalhista.
Em regra geral, e sem adentrar no âmbito processual e nos princípios protetivos que regem o direito do Trabalho, o réu é tratado como um descumpridor da lei, antes mesmo de apresentar sua defesa, ainda que na grande maioria, não se trate do grande empregador, tampouco da empresa multinacional, mas sim, do pequeno e médio empreendedor.
O réu de que trato, normalmente é alguém disposto a acertar e que não raro se perde no meio do caminho, e o itinerário que segue desde a intimação para responder a ação é longo.
Ao receber a peça inicial – regra geral – o réu se depara com pedidos numerosos, e muitos decorrentes de interpretações forçadas do direito material, ou totalmente dissociados da realidade fática ou ainda decorrentes de exageros, em especial envolvendo indenizações por dano moral.
A reação deste empregador na maioria das vezes é de indignação, porque entre os inúmeros pedidos, poucos são reais, os demais fruto de verdadeira ficção, iniciando-se um calvário que dependendo da condução – e desconhecimento – pode leva-lo a prejuízos inomináveis e as vezes até ao fechamento do seu negócio.
O benefício da Justiça Gratuita até a promulgação da chamada reforma trabalhista, proporcionava aventuras postulatórias aos litigantes, já que tratavam-se de demandas sem riscos, estando os autores, isentos de pagamento de honorários advocatícios ainda que suas demandas fossem totalmente improcedentes ou parcialmente improcedentes.
Não fosse apenas este aspecto, a interpretação do judiciário trabalhista acerca do direito material trabalhista, criou uma jurisprudência sedimentada em princípios protetivos, muitas vezes dissociados da realidade.
E inúmeros são os exemplos. O deferimento de horas extraordinárias ao empregado enquadrado no cargo de confiança (artigo 62, II da CLT) que em tese estaria excluído do capítulo da CLT que trata e limita a jornada a ser laborada. Qualquer operador do direito do trabalho já presenciou efetivos exercentes de cargo de confiança com salário diferenciado, com poderes de gestão, na forma como determina a legislação, serem tratados como hipossuficientes, seja por má fé dos próprios autores na produção de prova testemunhal visivelmente viciada, seja pela interpretação ativista do judiciário. A consequência são ações milionárias, enriquecendo muitas vezes, ilicitamente, referidos ex empregados.
Pode-se citar igualmente, ações envolvendo doenças de cunho profissional, onde o próprio órgão previdenciário afasta o empregado por doença comum, o exame demissional considera o empregado apto para o labor e portanto para a demissão, mas a narrativa na esfera judicial é de que o empregador fraudou/abusou/negligenciou com o meio ambiente do trabalho, e por culpa e ou dolo adoeceu o empregado. Não são poucos os casos de decisões favoráveis a este tipo de causa baseados em laudos absolutamente controversos, ou documentos duvidosos, ou mera interpretação baseada em princípios, entre estes o princípio da dignidade da pessoa humana.
Presenciei o deferimento de indenizações por dano moral a empregados totalmente aptos no momento da perícia, trabalhando normalmente em outros empregos, mas agraciados com as benesses da indenização porque “aquela doença” ou aquele “acidente sem sequelas”, à época dos acontecimentos teria causado dor moral.
Ainda, no decorrer de 30 anos de advocacia trabalhista, acompanhei mudanças na jurisprudência em prejuízo explicito ao empregador de boa fé, como ocorreu com a edição da súmula 437 pelo Tribunal Superior do Trabalho. Os Tribunais Regionais vinham sedimentando o entendimento de que era devido como hora extra apenas o tempo faltante para completar o intervalo intrajornada não usufruído, entendendo ainda que tal pagamento teria natureza indenizatória e não salarial. A referida Súmula foi editada em sentido contrário, ou seja, de que a não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada implicaria no pagamento integral do referido intervalo com adicional de no mínimo 50% e ainda fixando a natureza salarial para tal infração.
A injustiça provocada foi enorme, pois igualou o empregador que não concedia nenhum intervalo, àquele que concedia o intervalo parcial ou quase total, em proporção de 45min, 50min, e muitas vezes por força de ACT. Os Tribunais também passaram a conceder mais uma hora extra para aquele empregado que marcava o intervalo no cartão de ponto, com a diferença de poucos minutos para a integração de uma hora. A demanda por este pedido aumentou exponencialmente, já que a simples menção de uma testemunha de que o intervalo era usufruído em 55 min por exemplo gerava a condenação de mais uma hora extra diária.
Igualmente vivenciei a ressureição do artigo 384 da CLT, artigo letra morta e que de uma hora para outra passou a ser acolhido pela Justiça do Trabalho, jogando para o empregador mais um passivo de 15min de hora extra diária para os empregados que realizassem horas extras, mesmo quando estes trabalhadores já tivessem recebido como extra este lapso temporal e mesmo estando referido artigo inserido no capítulo da CLT que trata da proteção ao trabalho da mulher e não no capítulo que trata da jornada do trabalho.
O excesso de protecionismo gerou – especialmente no setor produtivo da sociedade – uma verdadeira ojeriza para com a Justiça do Trabalho, impossibilitando que esta parcela da população acredite na Justiça, o que certamente foi péssimo para o país.
A resposta, da sociedade que produz, goste-se ou não, veio com a entrada em vigor da lei 13.467/2017 chamada por muitos como a lei da reforma trabalhista, e que particularmente entendo não se tratar de uma reforma trabalhista, ao menos em sentido amplo, porque nenhum direito dos trabalhadores foi revisto, revogado ou excluído.
E tanto é assim que a chamada constituição cidadã, em vigor desde 05/10/1988, elencou no artigo 7º quais são os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, através de 34 incisos que continuam a ser a coluna vertebral do direito do trabalho em nosso país, aos quais todos os empregadores estão sujeitos.
A reforma no meu entender, corrigiu alguns excessos, como a possibilidade de através de ACT, respeitados os incisos III e VI da CF/88, dispor sobre alguns direitos – sem excluí-los – podendo se negociar por exemplo, intervalo intrajornadas (com limitação de 30min para jornada superior a seis horas), teletrabalho, modalidade de registro de jornada, troca do dia de feriado, entre outros, que em nada prejudicam o trabalhador, ao revés, vem ao encontro da realidade do mundo contemporâneo.
A lei 13.467/2017, de forma correta no meu entendimento, acabou com a injustiça da Súmula 437 da CLT ao acrescer o § 4º ao artigo 71 da CLT estabelecendo o entendimento anterior ao da súmula citada, revogou o artigo 384 da CLT, além de fixar honorários advocatícios de sucumbência para ambas as partes e dispor regras para a concessão do benefício da Justiça Gratuita, pois não existe lide sem risco e era esta a premissa que vigorava para os demandantes, que arriscavam porque nada tinham a perder.
A reforma trabalhista, no meu entender, proporciona um pouco de segurança ao réu de que trato neste artigo, e que sempre foi motivo de minha preocupação e cuidado enquanto advogada trabalhista.
Luciane Lazaretti Bosquiroli Bistafa
Sócia – Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Direito Administrativo pela Università Degli Studi Di Roma “La Sapienza”, Mestre em Instituições Jurídico Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina.