17 de April de 2020
Breves considerações acerca dos impactos trazidos pelo novo Coronavírus ao setor aéreo à luz da Medida Provisória nº 925/2020
Por Hasson Advogados
Thaine Mara Kovaleski
O assunto de maior repercussão no momento, seguramente, é a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) e os seus mais variados impactos no cenário mundial, o qual tem provocado significativas mudanças na sociedade na intenção de refrear a disseminação do vírus e que inevitavelmente vem gerando consequências que ainda serão enfrentadas em um futuro próximo, repleto de incertezas.
Uma esfera afetada sensivelmente e que merece grande atenção é a relacionada ao setor aéreo, em que tanto as companhias prestadoras desse tipo de transporte quanto os seus consumidores se viram obrigados a repentinas adaptações em decorrência dos cancelamentos e alterações de vôos nacionais e internacionais, inclusive por conta do fechamento temporário de importantes fronteiras aéreas, marítimas e terrestres a estrangeiros em países como Equador, Argentina, Colômbia, Israel, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Peru, além de grande parte da Europa. Notoriamente, muitas pessoas foram afetadas, ou por terem seus vôos subitamente cancelados ou por, em razão das orientações dos órgãos competentes, mormente por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), decidirem postergar, ou até mesmo, abortar a sua viagem.
Em atenção ao caos que se formou em torno do assunto, mostrava-se necessária a intervenção do Estado para regulamentar a questão e estabelecer certo padrão de conduta por parte das prestadoras áreas e das agências de turismo, o que foi feito com a edição da Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, na qual se estabeleceram medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, buscando maior segurança jurídica.
Referida Medida Provisória entrou em vigor na data da sua publicação, em 19 de março de 2020, e previu em seu artigo 2º o elastecimento do prazo para a quitação das contribuições fixas e variáveis do ano de 2020 nos contratos de concessão de aeroportos firmados pelo Governo Federal, isto é, com a postergação até o dia 18 de dezembro de 2020.
A Medida Provisória em referência também estipulou, em seu artigo 3º, o prazo de até 12 meses para que as empresas providenciem o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas com data até 31 de dezembro de 2020, ressalvadas as regras do serviço contratado e a manutenção da assistência material atinente, nos termos da regulamentação vigente. Aos consumidores que aceitarem a concessão de crédito para utilização dentro do prazo estipulado, cuja contagem se inicia na data do voo contratado, ficam isentos de quaisquer penalidades contratuais. Caso contrário, deverão arcar com as despesas regulares da alteração, como se o cancelamento fosse por sua simples iniciativa.
Em outras palavras, as opções trazidas pela Medida Provisória nº 925/2020 para os vôos adquiridos até 31 de dezembro de 2020, são: (a) a concessão de crédito para a compra de nova passagem, com validade de 12 meses, contados da data do voo contratado, notoriamente sujeita à complementação tarifária do novo trecho; ou (b) o reembolso, pelo mesmo meio de pagamento utilizado no momento da compra, mediante desconto das taxas e das multas previstas na regra tarifária do bilhete, tudo também no prazo de 12 meses contados da data do voo original.
Tais medidas foram necessárias, e até mesmo cruciais, para tentar minimizar os danos e evitar a crise fatal que assolaria as empresas pertencentes ao setor, amortecendo os impactos econômicos da devolução imediata de milhares de passagens aéreas, com grave prejuízo às suas finanças, e dando oportunidade para manutenção das atividades, dentro das possibilidades ao alcance neste momento.
Contudo, principalmente à luz do Código de Defesa do Consumidor, o assunto se mostra polêmico por, por outro lado, trazer nítidos prejuízos imediatos à parte hipossuficiente da relação, e que também vem enfrentando o peso da crise da vigente pandemia, qual seja, o consumidor deste contrato de transporte. Isto porque este consumidor, em regra, já arcou com o pagamento da passagem aérea e, somado aos notórios danos materiais e extrapatrimoniais sofridos com a mudança repentina de planos, não poderá ter os valores ressarcidos monetariamente ao seu bolso, sendo, na prática, compelido a manter vinculada à companhia aérea parte de seu patrimônio financeiro por longo período – muitas vezes para utilização em uma viagem que sequer possui convicção de que efetivamente realizará futuramente, ao menos dentro do prazo previsto na Medida Provisória nº 925/2020, até mesmo porque não se sabe quanto tempo perdurará a crise atual e se será recomendável – ou, ainda, possível, pelos mais diversos motivos – a própria manutenção da viagem.
Outra questão polêmica é que, no caso do consumidor não aceitar a conversão do valor de sua passagem em créditos atrelados à companhia aérea, além de ter que se sujeitar à cobrança das taxas e multas decorrentes de um cancelamento a que não deu causa, somente auferirá o valor em um prazo de até 12 meses, provavelmente sem que a prestadora lhe compute a correção monetária relativa a este interregno, o que igualmente lhe é bastante prejudicial. Isto é, fica sem a viagem, não tem a segurança necessária para fazer novos planos e, ainda, somente terá acesso ao seu dinheiro muito tempo depois.
A problemática que se levanta é que, mesmo que se trate de situação totalmente atípica, excepcional e que atraia a solidariedade e a compaixão de toda a sociedade, ainda se trata de um acontecimento alheio à vontade das partes e ainda perdura a situação de hipossuficiência do consumidor nesta relação jurídica, de forma que este não pode ser onerado excessivamente, sob pena de violar a legislação consumeirista pátria e provocar injustiças.
Apenas para melhor visualização de todo o cenário em uma situação de normalidade, importante recordar que, conforme informações constantes no próprio sítio eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC1 e em consonância com a Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016, um pedido de cancelamento do contrato e reembolso pelo consumidor após mais de 24 horas da compra da passagem (prazo em que, se não ultrapassado, permitiria a desistência da compra sem custo), a prestadora estaria autorizada à cobrança das taxas e multas decorrentes da desistência, mas estaria obrigada a fazer a devolução em até 7 dias, observando o mesmo meio de pagamento utilizado pelo consumidor – portanto, em bem menos tempo que a Medida Provisória nº 925/2020 fixou. Também seria possível a conversão em créditos para a aquisição de uma nova passagem aérea, desde que houvesse a concordância do consumidor e mediante a concessão de informação expressa da validade e da quantidade de créditos, permitindo a livre utilização pelo passageiro da forma como melhor lhe conviesse – situação similar à prevista na Medida Provisória nº 925/2020.
Se a alteração do voo ocorresse por iniciativa da empresa aérea e não fosse respeitado o prazo de 72 horas de antecedência da data do vôo para comunicação ao consumidor ou, em qualquer hipótese, a alteração fosse superior a 30 minutos para voos domésticos e a 1 hora para voos internacionais, em relação ao horário de partida ou de chegada, a empresa aérea deveria oferecer ao passageiro as alternativas de reembolso integral da passagem aérea ou de reacomodação em outro voo da própria empresa ou de outra para o mesmo destino na primeira oportunidade, ou em voo da própria empresa a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro – isto é, situação mais vantajosa ao consumidor que a prevista na Medida Provisória nº 925/2020, na medida em que permite o reembolso integral.
Como a situação provocada pela pandemia não coincide nem com a alteração pela iniciativa do consumidor, nem pela iniciativa por parte da prestadora, mas sim por força do momento e em respeito ao interesse público da proteção e manutenção da saúde mundial, pode-se dizer que a Medida Provisória nº 925/2020 buscou alcançar um meio termo do que já existia no ordenamento jurídico pátrio sobre o tema, observadas as peculiaridades do momento e o fato de que os cancelamentos, neste momento, estão ocorrendo em massa, e não isoladamente como aconteceriam em uma situação de normalidade.
Salvo melhor juízo, estas circunstâncias acabam por justificar as medidas mais extremas permitidas pela mencionada Medida Provisória nº 925/2020, sendo que as exceções, como sempre, devem ser avaliadas em paralelo conforme elementos e circunstâncias que assim o justifiquem, e, em qualquer hipótese, devem ser priorizadas a razoabilidade e a proporcionalidade que prevalecem de forma cogente no ordenamento jurídico pátrio.
Sem a pretensão de ter esgotado o assunto e todas as problemáticas atualmente enfrentadas em torno do setor aéreo nacional, espera-se ter contribuído para maior elucidação da matéria.
1Vide: <https://www.anac.gov.br/assuntos/passageiros/alteracoes-da-viagem>. Acesso em 09.04.2020.